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Antes nós temíamos a solidão, hoje temos medo de companhias reais

Estamos cada vez mais solitários na multidão. Antes nós temíamos a solidão, hoje temos medo de companhias reais. É que é mais cômodo o trato à distância. Receber o desabafo de um amigo via Wi-Fi é mais prático, menos desgastante. Não precisamos olhar, opinar ou mesmo se posicionar. Basta uma curtida ou um emoji e está tudo resolvido.

Cada vez mais, a amizade se dilui em contingências e burocracias. Não se pode mais tocar a campainha sem antes ligar e não é permitido ligar após o horário comercial. Se você fizer isso, pode ser tratado como um mal educado inconveniente ou como um pária que atirou pedra na cruz.

Viramos instituições com hora para abrir e fechar e nos esquecemos que um dos grandes atrativos da amizade é justamente a possibilidade do improviso.

Culpar apenas a tecnologia por essas transformações é uma desculpa para encobrir certa preguiça existencial.

Não estou falando de baladas, de porres e de farra. Eu falo de contato, de olhar, da capacidade de conceder abraço, palavra ou silêncio confortador – sim, até mesmo o silêncio de um amigo presente pode representar tanto conforto quanto uma palavra. É a presença que conta, não só a física, mas aquela que se faz notar em um telefonema para perguntar sobre a vida, sobre um projeto ou sobre como anda a paixonite aguda por alguém. Estes exercícios de atenção são essenciais para a manutenção de nossa própria humanidade. Não somos máquinas ou pelo menos não deveríamos ser.

Vivemos de solidão a dois, a três, a quatro…

Permanecemos distantes, mesmo quando estamos a míseros dois metros de distância. Tão perto e tão longe. O pensamento dominante não é o de que é melhor estar só do que mal acompanhado, é o de que é melhor estar só, fingindo estar acompanhado.

Cuidar de um amigo é cuidar da memória. Através dele nos também nos desdobramos. Se você não for do tipo altruísta e prefere uma posição mais egoísta frente à vida que escolheu levar, ao menos essa justificativa deveria valer para você:

a amizade nos leva à posterioridade.

No quadro atual, o terapeuta é uma extensão da amizade que não conseguimos cultivar ou que não demos água e luz suficientes para florescer. Pessoas perdem a mesa onde se sentavam para discutir o futebol e acabam tendo que recorrer ao divã. O psicólogo é hoje a personificação da amizade pós-moderna: com dia e horário marcados para visitas que devem ser rigidamente seguidos.

Felizes daqueles que ainda possuem amigos ao estilo antigo e ultrapassado, que não se deixaram levar pelas tendências de desapego que defendem a comodidade da comunicação à distância.

Felizes daqueles que são fora de moda e que ainda recebem pessoas em casa sem ligações ou mensagens prévias para uma cerveja ou uma conversa informal.

Feliz de quem não agenda o próprio afeto.

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