Era um dia cinzento e sem graça. Chovia muito e ainda tive de ir correr para apanhar o último transporte que me levava (a não chegar atrasada) ao trabalho.Nunca apanhei aquele comboio porque sempre gostei de fazer as coisas com tempo e sem pressas. Não foi o caso desse dia. Encharcada, entrei na última carruagem que nunca entro do comboio que nunca apanho.
Nada estava a ocorrer como habitualmente e eu que gosto tanto das rotinas que levo.
“Era ele. O meu ex amor, o meu ex companheiro, o meu ex melhor amigo, o meu ex futuro.”
Fui chateada, aborrecida com o tempo, talvez também com a vida, e ainda era manhã. Mas a vida tem o dom de nos conseguir surpreender da mesma forma que nos aborrece. E foi nesse dia cinzento que, no acaso dos acasos, como não havia muitos lugares disponíveis alguém se sentou no lugar à minha frente. Era ele. O meu ex amor, o meu ex companheiro, o meu ex melhor amigo, o meu ex futuro.
Desta vez foi um surpreendente acaso dos bons que a vida me pregou.
Não nos esbarrávamos há anos. Praticamente desde que decidimos seguir caminhos diferentes. Tomámos rumos diferentes e nunca nos culpámos por isso. Éramos demasiado jovens naquele tempo para conseguirmos perceber que com amor tudo se tornaria possível, e que o sonho de um deveria ser também o sonho do outro. Mas não percebemos. Cada um decidiu ir atrás do seu sonho individualmente. Optámos por nos separar com muito amor em vez de nos juntar. Mas foi a nossa escolha. Foi a escolha que mais nos magoou até hoje, eu sei. Mas achámos ser melhor assim. Acho até que foi contra a vontade da vida, que nesse dia nos pôs novamente frente a frente, a apanhar o mesmo comboio com o mesmo destino. Irónico, ou não, foi o que aconteceu.
“O olhar dele não engana porque ainda era o mesmo.”
E ali estávamos. Ele sorriu-me, admirado por me ver. Eu sorri-lhe de volta. Já não o via há tanto tempo que me deu uma vontade súbita de abraçá-lo. Antigamente eu teria feito sem pensar duas vezes. Naquele dia já não. Trocámos apenas dois dedos de conversa que foi o suficiente para sentir a falta e a nostalgia dos tempos em que pertenci àquele Ser, com quem imaginei vezes sem conta que iria passar o resto da minha vida. Quando passei por ele, inevitavelmente passou-me pela memória tantas conquistas que tivemos lado a lado, e alguns dos dias felizes que pudemos viver juntos. Aposto que ele também os recordou enquanto me olhava. O olhar dele não engana porque ainda era o mesmo. Ainda me olhava como antes. E ele ainda continuava também com todas as suas manias patéticas que o caracterizavam tão bem: Roía as unhas, mexia no cabelo, abanava o pé direito como quem está ansioso e cantarolava pela vida fora. Ainda o sabia de cor mesmo com o passar de todo o tempo. E como soube tão bem recordar aquele sorriso, aquela voz e aquelas manias. Como soube tão bem saber que ele está bem.
Depois daquele dia, acredito fielmente que existem amores que nunca morrem mesmo que não continuem.
Por: Andreia Filipa S. M.