Querido pai,
Sempre quis dizer-te aquilo que vou escrever nesta carta, no entanto nunca o fiz porque sempre que o tentava fazer tu não estavas em condições para me ouvir.
Desde sempre que eu e a mãe quisemos ser felizes, desde sempre que lutamos por ter uma vida melhor, desde sempre que tentamos fazer com que a nossa família resulte, desde sempre que tentamos que percebas o quanto te amamos, no entanto tu pareces querer ser egoísta e só amar o álcool.
Sim, o álcool, esse teu fiel “amigo” de longa data, porque nem a ti próprio tu te amas, caso contrário já terias acabado com essa amizade tão tóxica.
“Porque continuas a preferir a companhia do álcool à nossa.”
Já vi a mãe a ter um esgotamento nervoso, eu já tive uma depressão, tu já tiveste imensos sustos no que toca à saúde, já tiveste acidentes de carro, já nos fizeste passar por mil e uma situações embaraçosas e tudo porquê?
Porque continuas a preferir a companhia do álcool à nossa.
Porque preferes chegar a casa e agredir-nos verbalmente por causa de estares alcoolizado ao invés de chegares a casa com palavras de carinho para aquelas pessoas que tanto te amam.
Apesar de tudo protegeste-me, sabias?
Fizeste com que eu desde cedo tivesse que saber lidar com problemas bastante graves.
Fizeste com que eu crescesse a ver pessoas a discutirem e com isso conseguiste que eu me tornasse numa pessoa bastante pacífica, que toda a gente diz que lhe transmite confiança e calma.
Fizeste com que eu crescesse a ver os efeitos que um vício, como o álcool, pode ter numa família e graças a isso nunca experimentei álcool, tabaco, drogas nem qualquer outro vício que me fizesse ser quem eu não sou ou prejudicasse a minha saúde.
Fizeste com que me tornasse numa pessoa forte, pronta a enfrentar os obstáculos da vida.
Fizeste com que eu fosse uma boa aluna, porque as boas notas serviam de máscara para encobrir os problemas lá de casa.
Fizeste com que eu valorizasse os afetos, porque vindos de ti eles eram escassos ou mesmo inexistentes.
“Tudo graças a ti, graças ao tipo de pessoa em que eu não me quero tornar.”
(Sabes que há mesmo quem diga que eu tenho o melhor abraço do mundo? Devias experimentar um dia destes, quando tiveres tempo e quando voltares a ser tu mesmo…) E tudo graças a quem?
Tudo graças a ti, graças ao tipo de pessoa em que eu não me quero tornar. Tudo porque não quero que os meus filhos tenham que adormecer agarrados a chorar à almofada por minha causa como tantas vezes me aconteceu a mim por tua causa. Tudo porque quero que um dia os meus filhos tenham orgulho e não vergonha da mãe que têm. Tudo porque quero seguir o exemplo daquela pessoa que sempre foi um ídolo para mim: a mãe.
E não digas que gosto mais dela do que de ti como desculpa, porque, mesmo que isso seja verdade, foste tu quem criou este ambiente. Foste tu que sempre arranjaste desculpa para beber e nunca tiveste o mínimo de força de vontade para quereres deixar isso, mesmo com mil e uma soluções à tua frente.
“Nenhuma criança devia ter que enfrentar isso, nenhuma criança devia ter de crescer assim.”
Há pouco tempo fizeram-me uma pergunta que fez com que eu tivesse vontade de escrever este texto. Perguntaram-me se eu não gostava de ter irmãos. É claro que gostava! Qual é a criança que gostaria de crescer a ter que chegar todos os dias a casa e aturar sozinha o pai alcoolizado enquanto a mãe não chegava do trabalho, porque trabalhava mais do que devia para poder pagar as contas já que o marido gastava o que tinha e o que não tinha num vício estúpido?
Nenhuma criança gostaria de ter de enfrentar isso, muito menos sozinha. Nenhuma criança devia ter que enfrentar isso, nenhuma criança devia ter de crescer assim. E foi por isso mesmo – por não desejar que mais ninguém passe o que eu passei por tua causa – que eu, apesar de nunca ter gostado de ser filha única, respondo sempre que “Não ter irmãos nunca foi coisa que me afetasse”. O tanas que não foi!
Será que consegues imaginar o que é crescer com a revolta?
Eu sempre me culpei por seres assim. Sempre me culpei por não me ouvires, por não quereres ajuda, por não conseguir que deixasses esse maldito vício. Consegues imaginar quantas vezes eu chorei por chegares a casa, mais uma vez alcoolizado, e só teres palavras más para mim quando eu não tinha feito nada de mal para as receber? Mesmo assim eu só te queria ajudar, só queria perceber como te fazer deixar esse vício que te vai levar de mim e de todos os que te amam. Porque é que nunca percebeste?!
“Obrigado por me teres mostrado como um vício pode destruir a essência de uma pessoa, de um lar.”
Mas apesar de tudo, obrigado pai. Obrigado por sempre teres sido e continuares a ser o exemplo que eu me recuso a seguir. Obrigado por seres o motivo que fez com que eu agora possa dizer que nunca toquei nunca gota de álcool nem tenciono fazê-lo. Obrigado por me teres mostrado como um vício pode destruir a essência de uma pessoa, de um lar. Obrigado por me mostrares que um refugiarmo-nos num vício qualquer por causa dos nossos problemas nunca vai ser a solução, mas sim a causa da chegada de mais problemas. Obrigado, pai: por tudo e por nada!
Um beijinho da tua filha que, apesar de tudo, te adora por tudo e por nada.
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