Imagem de capa: Olimpik, Shutterstock
Sonhei contigo. Sonhei que voltávamos. Sonhei comigo. Sonhei que voltava. Voltava àquele espaço no tempo onde faltava escrever-se. Onde faltava o guião sem fazer falta absolutamente nenhuma. Sonhei e senti, a nostalgia, a saudade. Como é possível sentir no sonho? O que é isso da saudade onde estavas como atriz principal no sonho que eu não encomendei. Se foi bom ao acordar agora que não lês o que nos escrevo? Como pode ter sido, se acordei sozinho, sem ti e sem mim, analfabeto e com um guião encriptado que eu pouco concebi.
Mas mesmo que o não leias eu tenho que te confessar que me perguntam ocasionalmente, por gesto de curiosidade, onde estou nestes dias. Sem sentido de orientação, órfão de ambos, respondo com a hipocrisia, para me iludir a mim, não ao interlocutor, que ando aqui e que ando bem. Resposta essa que sai tantas vezes neste novo espaço no tempo que contada muitas vezes, induz realidade, cria-me numa ilusão.
“(…) encontro-me e peço-me para mudar de capitulo (…)”
Mas a realidade é outra, e a resposta sem filtro é a de que fiquei lá atrás. Que fiquei preso com a maior das liberdades naquele espaço no tempo onde não havia guião. E nessa fração de tempo, onde respondo com a falsidade ao meu interlocutor, onde vou buscar um outro eu inventado para sustentar a hipocrisia da resposta que me ensinaram no entretanto, daquilo a que chegou esta peça de vaidades, nesse falso retorquir onde ocorre a recordação, encontro-me e peço-me para mudar de capitulo, mas esse outro eu rejeita a falta de senso deste novo, esse que foi livre, que não representava as teias deste novo, que não andou nesta escola, que respondia sem filtros sabe perfeitamente que quer ficar de mãos dadas contigo na irreverência do acaso, na verdade do que sentia, livre das amarras criadas no tal entretanto, pela falta de tanto, pela devassidão induzida do discernimento livre.
Agora que continuas sem ler o que te escrevo, tu e ele, digo-vos a ambos e a mim mesmo que vou só tentar não seguir o guião nem recriar outros eus, e esperançar não ver nos outros outros eus recriados. Que a peça se altere e deixem de haver ensaios e passemos a haver nós, sem os entretantos nem os filtros que nos ensinaram nessas aulas do dia-a-dia onde nos acabamos nas tais respostas autoilusórias. Por isso e já mais desperto, embora erróneo como sempre, e tão bom que é ser-se erróneo – como veem fui um bom aluno, quero mesmo que tenhamos ficado nesse espaço no tempo, porque por mais vontade e sonhos não encomendados, somos incapazes de apagar a tal insanidade que absorvemos.
Por isso parem de me assaltar.
Por isso esqueçam-me de uma vez que vou tentar não vos encontrar mais. Percam-se onde ficaram, porque é ai que vocês se encontram.
Gostava de ser o que sou, mas não consigo. Não me deixaram. Isto de ser bom aluno, ganha-se na intelectualidade, apenas e só.