O amor é feito de muitas camadas. É indecifrável e enigmático, cheio de dúvidas e incertezas. No entanto é o sentimento mais nobre experimentado por nós, mortais. Por isso é forte, durável, sólido e consistente. É resiste às intempéries e reveses da vida e não tem prazo de validade.
Tudo depende do cuidado dispensado a ele, do lugar que ele ocupa em suas prioridades de vida. Pode durar meses, anos, ou até mesmo por toda uma vida, mas é incerto e sem garantias. Ele até se sustenta por um longo período de tempo apenas se doando, amando sozinho, enfrentando tempestades, vendavais e furacões, remando contra a maré.
Enquanto todos já teriam evacuado a embarcação, se retirado, abandonado e partido, ele, obstinadamente insiste em não desistir, em permanecer, em lutar. Lutar de todas as formas e com todas as forças, em se agarrar a toda e qualquer possibilidade de sobrevivência, até o último suspiro.
Mas chega uma hora que não faz mais sentido, perde-se a beleza da troca.
Lembrar-se do tempo em que havia cumplicidade no toque, no olhar, nas palavras é melancólico e pesaroso. Este grande amor sempre esteve ali, mas de alguma maneira ele se foi. Tudo parece distante; o fio do cordão se rompeu. Ficou um estranho vazio. É como ir a algum lugar conhecido e não reconhecê-lo.
O amor não morre de uma hora para outra. Ele esperneia bastante antes de partir. É o silêncio que grita, a ausência de diálogo, a indiferença, a falta de sintonia. O amor não morre de uma hora para outra, ele primeiramente adoece, solicita cuidados, tem recaídas, e finalmente vai para a UTI. Já na UTI, os cuidados precisam ser intensivos, caso contrário, sucumbirá.
O amor não morre de uma hora pra outra.
E não se engane, não são os grandes eventos que o corroem, que o destroem. Ao contrário, são os pequenos acontecimentos do dia a dia, do cotidiano. As pequenas, mas perigosas, pedras do caminho. Perigosas porque teimamos em ignorá-las, como a ausência de um sorriso, a falta de uma palavra de compreensão e de encorajamento quando tudo parece ruir, um abraço que conforta sem que para isso necessite de palavras, rir dos próprios erros e tropeços, caminhar lado a lado, olhar na mesma direção.
O amor não morre de uma hora para outra, mas de fato, ele é desafiador. Para que ele sobreviva ao mau tempo, às condições climáticas desfavoráveis, para que ele resista ao longo e rigoroso inverno, que petrifica corações, é preciso moldar-se a ele e suas vicissitudes, pois amar implica, não necessariamente nesta ordem, comprometimento, doação, humildade, diálogo, altruísmo, generosidade, paciência, bom humor, renúncia, e isto não requer tanto.
Basta ser amparo e conforto na tempestade, ser luz quando tudo parecer escuro, ser manancial quando os dias forem áridos, ser sombra para proteger do escaldante calor das dificuldades, ser chuva para regar as flores do caminho, ser uma suave canção para embalar o coração quando ele insisti em desistir, ser olhos e ouvidos para captar palavras, olhares, expressões e silêncios.
Evoluímos na alma, mas sempre seremos frágeis no amor.
Ele nos torna vulneráveis diante de sua magnitude e profundidade. Não há como saber se o amor crescerá conforme o desejo do nosso coração e nem para onde vai a estrada, para onde vão os dias, somente o tempo.
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